Perdas com obras paradas atinge 20 companhias. Contratos de garantia e engenharia representam menos de 10% do faturamento do setor
Passados sete anos da derrubada de um histórico monopólio que quase completou 70 anos, o mercado de resseguros brasileiro enfrenta um novo desafio em 2015. A quebra de construtoras e paralisação de obras de infraestrutura, provocadas pela operação Lava-Jato – que desmontou um esquema de corrupção na Petrobras pode ser um divisor de águas para o setor, afirma Wady José Mourão Cury, que preside a comissão de resseguros da Confederação Nacional das Empresas de Seguros Gerais, Previdência Privada e Vida, Saúde Suplementar e Capitalização (CNseg).
É que praticamente todas as grandes obras públicas têm seguro de garantia e riscos de engenharia, em sua maioria ressegurados junto a várias companhias nacionais e internacionais, um sistema de mutualidade que existe justamente para pulverizar os riscos pelo mercado. A Federação Nacional das Empresas de Resseguros (Fenaber) estima em 20 o número de resseguradoras expostas às prováveis perdas das construtoras e suas obras paradas, mas os valores não foram quantificados.
As apólices de resseguros garantem cobertura às seguradoras que se comprometeram a indenizar tanto a interrupção dos projetos por dificuldades das empresas executoras e de seus executivos quanto de possíveis acidentes ou falhas de projeto que coloquem o trabalho a perder. Cury destaca que as empreiteiras envolvidas na Lava-Jato eram clientes do mercado segurador e ressegurador há décadas, com comprovada capacitação técnica e financeira, critérios fundamentais na definição dos contratos. Agora que elas estão impedidas de participar de obras públicas, fica a dúvida sobre quem vai substituí-las. “Quem serão as novas construtoras? Terão a mesma capacidade técnica? Isso vai exigir uma reflexão, temos de estar bastante atentos a essas mudanças”, alerta.
Ainda assim, Cuiy, que também é diretor do grupo segurador BB e Mapfre, não está pessimista, nem prevê o caos, mesmo quando reflete sobre esse episódio combinado a uma retração da economia. “Tudo pode se transformar em uma oportunidade”, afirma.
Diante do cenário inquietante, o presidente da Fenaber, Paulo Pereira, revisou para baixo suas estimativas de crescimento em 2015, ciente de que o resultado das investigações da Lava-Jato e o ajuste fiscal do governo colocarão um freio ao crescimento mais que chinês dos últimos anos – o faturamento em prêmios de resseguros vinha crescendo mais de 10% ao ano nos últimos cinco anos. Sua estimativa pessimista para 2015 é de uma expansão na faixa de 5% a 6%. “Se acontecer isso vai ser ótimo, mas temos que ver o resultado dos sinistros”, pondera.
Sobre os potenciais efeitos da Lava-Jato, Paulo Pereira diz: “Fraude não tem cobertura”. Isso quer dizer que se ficar comprovado que o fato gerador da indenização nos contratos foi corrupção (que é um tipo de fraude), simplesmente não será paga como determina a legislação que rege os seguros. Mas tudo depende da evolução dos casos na Justiça. Neste momento, as resseguradoras estão levantando suas posições nos contratos para mensurar possíveis perdas. O maior potencial de perdas, segundo Pereira, está no D&O, o seguro que indeniza executivos processados.
Bruno Freire, CEO da Austral Re, pondera que os contratos de garantia e engenharia representam pouco mais de R$ 820 milhões em prêmios de resseguros, ou menos de 10% do faturamento total do setor. É real a possibilidade de ocorrência de sinistros nos seguros de garantia que cobrem a não execução das obras que os empreiteiros (envolvidos na operação Lava-Jato) prometeram entregar e não estão conseguindo. Os contratos, porém, têm cláusulas que definem as coberturas e os motivos de não conclusão. Exemplo: se a construtora não terminou a obra porque não recebeu do contratante (independentemente do motivo). Em qualquer situação, diz Freire, “as resseguradoras vão seguir as [medidas tomadas pelas] seguradoras”, explica.
Os resultados do resseguro no Brasil vinham muito positivos desde 2006, apesar de um acirramento da concorrência que provocou excesso de capacidade (oferta) e queda de preços. O faturamento em prêmios das resseguradoras – somando as locais, admitidas e eventuais – totalizou RS 9,11 bilhões em 2014, um incremento de 10,3% comparado aos RS 8,26 bilhões de 2013. Os segmentos que mais contribuíram foram riscos patrimoniais (aeronáuticos, marítimos, industriais), que responderam por 39%, seguidos do rural, com 13%.
Os riscos de garantia e transportes responderam por 9% cada, enquanto os riscos de petróleo perfazem 6%. Segmentos diversos respondem pelos 24% restantes, entre eles habitacional e financeiro.
A rentabilidade medida pelo retorno sobre lucro (ROE) atingiu R$ 685 milhões, duas vezes e meia acima dos R$271 milhões registrados em 2013. Um dos fatores que contribuíram para esse resultado foi a queda de 88% para 78% da sinistralidade (2013-2014). Trata-se de um indicador que combina receitas com despesas decorrentes de pagamento de sinistros e quanto menor, melhor para a resseguradora. O índice combinado das resseguradoras, que aponta lucro operacional sempre que fica abaixo de 100%, registrou 99% comparado a 103% em 2013.
Dona de um terço do mercado local, a IRB RE registrou, em relação a 2013, um crescimento de 4% das receitas em prêmios cujo total foi de R$ 3,2 bilhões. O lucro líquido de R$ 602 milhões aumentou 72,5% em 2014. Em apresentação durante o 4 o Encontro de Resseguros, o vice-presidente da IRB RE, José Carlos Cardoso, informou que de janeiro a março de 2015 o lucro líquido da resseguradora somou R$ 130 milhões, quase três vezes o registrado em igual período de 2014, enquanto o valor dos prêmios emitidos no mercado doméstico saltou de R$ 343 milhões no primeiro trimestre de 2014 para R$ 676 milhões.
Apesar da estagnação da economia e dos efeitos da operação Lava-Jato sobre as grandes obras do país, a IRB Brasil RE estima obter este ano R$3,756bilhões em prêmios, o que representará um crescimento de 16,9% sobre o ano passado, de acordo com as informações do site da empresa.
Margo Black, presidente da Svviss Re do Brasil e responsável pela operação latino-americana da resseguradora suíça, afirma que ainda está fazendo as contas do impacto da Lava-Jato sobre os contratos ressegurados pela companhia. Segundo ele, não há ainda um valor estimado, mas já se sabe que as metas para 2015 serão afetadas pela paralisação de projetos não só na área de infraestrutura, mas também na de petróleo e gás. Com a derrocada dos preços do petróleo no mercado internacional e o principal gerador de negócios nessa área, a Petrobras, como pivô do escândalo da Lava-Jato, muitos negócios deixarão de ser realizados.
De qualquer forma, há muito espaço para crescer. Cury, diretor da CNseg, lembra que o mercado brasileiro de resseguros, equivalente a US$ 3 bilhões, é inexpressivo perto das centenas de bilhões movimentados em outros países – não só o dos industrializados, mas a maior parte dos mercados latino-americanos e asiáticos supera o Brasil com folga, tanto em números absolutos quanto em participação no Produto Interno Bruto (PIB).
A presença de resseguros no Brasil é forte nos contratos de garantia e riscos de engenharia, e nos aeronáuticos, estes por força de exigências internacionais – aviões não saem do chão se não estiverem fortemente cobertos por apólices de seguros e resseguros. Perto de 70% do setor aeronáutico brasileiro está ressegurado. O mesmo acontece com as indústrias. A atividade industrial está em baixa, mas o patrimônio das indústrias está segurado e ressegurado, bem como a produção agrícola, que tem cerca de 80% dos riscos ressegurados.
“Mas o resseguro não está sequer presente em todas as modalidades de seguros”, diz Cury. E exemplifica: somente 0,9% dos contratos de seguro de automóveis maior carteira de seguros de ramos elementares do país – está ressegurada; e nos seguros de vida, previdência e saúde, a presença do resseguro atinge pífios 0,3%.
Margo Black, da Swiss Re, está na mesma sintonia de Cury. Enquanto faz as contas do quanto a perda de contratos de infraestrutura e petróleo e gás vai representar nas contas da companhia, ela vê oportunidades que não pretende deixar passar. Algumas estão na área de vida e saúde, como reembolsos hospitalares e cobertura a doenças críticas que começam a ser demandadas pelas seguradoras. Estudos recentes da própria Swiss Re mostraram que há um grande déficit de proteção de seguros contra a mortalidade, não só no Brasil, mas em toda a América Latina, o que abre caminho para os resseguros. “Acreditamos muito no Brasil”, diz.
Freire, da Austral Re, aponta que na contramão da queda do seguro de garantia de performance de obras de infraestrutura, tem crescido a procura pelo seguro garantia judicial. Adaptado à legislação brasileira há muitos anos, a cobertura judicial se propõe a caucionar depósitos em dinheiro exigidos pelo juiz quando uma questão está em discussão nos tribunais.
Embora já fosse aceito em alguns tribunais como substituto de fianças bancárias, o seguro garantia judicial enfrentava resistência de muitos juízes por não ter sido regulamentado para essa finalidade. A regulamentação finalmente saiu em novembro de 2014, quando foi aprovada a Lei 13.043 que, em seu artigo 73, alterou dispositivos da Lei de Execuções Fiscais (6.830/80), equiparando as apólices de seguros garantia às fianças bancárias na execução para cobrança de dívidas ativas. “A garantia judicial é uma modalidade muito usada em discussões nas cortes, geralmente em processos trabalhistas e tributários”, explica Freire.
Fonte: Sonho Seguro